No mundo moderno e globalizado, se encontram incentivos à produção de diversos conhecimentos e inovações que contribuem para nova e crescente exploração de recursos naturais. No entanto, alguns conhecimentos, inovações ditas bens intangíveis produzidos por Povos e Comunidades Tradicionais, como nas artes, na música e principalmente os associados à biodiversidade, têm sido alvo de exploração econômica por países desenvolvidos que detêm recursos tecnológicos para o desenvolvimento de novos produtos.

Na utilização da denominação Povos e Comunidades Tradicionais, optou-se por classificar esse agrupamento como sociedades tradicionais, por achar o conceito mais abrangente e não dar a ideia de que, quando se fala de povos, se está referindo apenas aos povos indígenas, e, assim, atingir todos os considerados nas características apresentadas mais adiante.

Torna-se importante a compreensão do conceito de sociedades tradicionais, que podem ser definidas como comunidades que se relacionam num sistema interdependente, ou seja, vivem de maneira tal que o que determina o modo de vida são os recursos naturais e os conhecimentos profundos que possuem da natureza e que são transmitidos de geração a geração, de forma oral.

Também é determinante a ocupação territorial permanente ou temporária, que se faz presente há várias gerações e como escolhem as formas de reproduzir social e economicamente, principalmente em atividades de subsistência ou atividades produtivas mais desenvolvidas.

Somadas a essas características estão a valorização dos mitos, costumes, ritos e símbolos ligados às suas atividades, como a utilização de tecnologias simples que reproduzem impactos mínimos sobre o meio e o seu próprio reconhecimento e reconhecimento do outro de pertencer a uma cultura diferenciada. (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 27).

Cabe classificar, ainda, as populações tradicionais consideradas não indígenas, que se apresentam, tais como: Pescadores Artesanais, Praieiros, Jangadeiros, Pantaneiros, Açorianos, Babaçueiros, Caboclos, Ribeirinhos amazônicos, Caiçaras, Caipiras, Sitiantes, Campeiros, Sertanejos, Quilombolas, Vaqueiros e Varjeiros. (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 29). Pela classificação do Ministério do Meio Ambiente, podemos acrescentar: Seringueiros, Castanheiros, Quebradeiras de Coco-de-Babaçu, Comunidades de Fundo de Pasto, Faxinalenses, Marisqueiras, Ciganos, Varzanteiros, Pantaneiros, Geraizeiros, Veredeiros, Caatingueiros, Retireiros do Araguaia, entre outros.

O cientista Jared Diamond, em entrevista (JANSEN, s/d), descreve que as comunidades tradicionais guardam os conhecimentos de nossos ancestrais. Argumenta que a sociedade moderna, ou sociedade industrial, pode aprender sobre questões universais como educação dos filhos, tratamento dos idosos, avaliação de riscos e manutenção da saúde e do bem-estar, pois considera que as sociedades tradicionais e as sociedades modernas têm as mesmas dificuldades nos aspectos universais.

Nesse sentido, estabelece o princípio 22 da Declaração do Rio de janeiro de 1992 que

os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e oferecer condições para sua efetiva participação no atingimento do desenvolvimento sustentável.” (ONU, 1992).

As sociedades tradicionais têm extrema relevância para o meio ambiente, vistos a diversidade cultural e os conhecimentos tradicionais coletivos que preservam e valorizam os ecossistemas desenvolvidos pelas mesmas e que nem sempre são percebidos como meio de desenvolvimento econômico.

Devido aos interesses econômicos e o não respeito aos conhecimentos tradicionais adquiridos e desenvolvidos coletivamente e compartilhados por essas comunidades, assim como o desrespeito à cultura das mesmas, essas retornam alvo de grandes corporações que visam a explorar os conhecimentos tradicionais produzidos coletivamente, em especial, aos associados à biodiversidade, colocando em risco a sobrevivência e a proteção do reconhecimento de seus direitos, identificados como autorais coletivos. A ideia aqui é de proteger esse patrimônio cultural, ou seja, não monopolizar esses conhecimentos de forma individual num sistema em que predomina a sociedade industrial.

Como se pode perceber, na mesma linha, afirmam Johnson e Lundvall:

Muitas empresas apropriam-se do conhecimento e o transformam em mercadorias através de direitos de propriedade intelectual. Mas, este conhecimento é produzido socialmente e compartilhado, o que o torna difícil de ser individualizado e remunerado”. (2005, p. 91-92).

Com efeito, Rammê descreve:

O primeiro desafio imposto ao Estado de Direito é o da superação da desigual distribuição do poder econômico no cenário social. Afinal, uma desigual distribuição do poder econômico gera poder político aos mais ricos, os quais utilizam esse poder para condicionar o estado de Direito em seu benefício, gerando mais desigualdade e exploração.[...]

Essa submissão do poder político ao poder econômico é, portanto, uma forte ameaça às conquistas do Estado de Direito contemporâneo e um de seus desafios centrais.

O segundo importante desafio que se apresenta ao Estado de Direito contemporâneo é o da superação da desigual distribuição da degradação ambiental no espaço coletivo. Um desafio que também decorre da submissão do poder político ao poder econômico, mas que apresenta um viés específico, socioambiental: o da destinação da maior carga dos danos e riscos ambientais decorrentes do processo de desenvolvimento a certas comunidades tradicionais, grupos de trabalhadores, grupos raciais discriminados, populações pobres, marginalizadas e vulneráveis. (2013, p. 145-161).

Oportuno é dizer que, quando se fala em Sociedades Tradicionais, essas são estudadas no âmbito do Direito Ambiental quase sempre sob a ótica dos conhecimentos tradicionais, enquanto a observância e o foco estão na preservação desses conhecimentos, visto o interesse econômico dito anteriormente. A temática das Sociedades Tradicionais em si fica relegada, e o interesse sobre as mesmas recai principalmente na apropriação econômica, devido à fonte de conhecimentos produzidos por essas.

Faltam estudos para que a comunidade jurídica avance em relação à situação jurídica de algumas Sociedades Tradicionais, considerando outros aspectos e não somente os dos conhecimentos tradicionais. Dessa forma, cabe à doutrina ambiental fazer um detalhamento profundo sobre as questões que permeiam a relação entre o Direito Ambiental e as Sociedades Tradicionais, pois essas preservam, na forma de viver, uma harmonia com o meio ambiente de forma equilibrada.

Quanto à proteção constitucional dada às Comunidades Tradicionais, no que tange aos conhecimentos tradicionais produzidos, esses são considerados bens culturais. As normas da CF/88 que protegem o bem cultural imaterial estão previstas nos seus arts. 215 e 216.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Decreto nº 6.040 de 2007 o Governo Federal instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições.

Compete à Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT, criada pelo Decreto, de 13 de julho de 2006, coordenar a implementação desta Política. (BRASIL, 2007).

A definição dada pelo Decreto 6.040, de 2007, em seu art. 3º, refere que Povos e Comunidades Tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007).

Não obstante, deve-se fazer uma reflexão quanto à instituição dessa Política Nacional, no sentido de fazê-la por decreto ao invés de por lei, possuindo um caráter muito mais governamental.

A produção de conhecimentos tradicionais por povos indígenas, quilombolas e Populações Tradicionais deve ser tutelada por um regime jurídico sui generis de proteção. Quando essa proteção legal não existe, pode haver a apropriação e utilização desses conhecimentos por terceiros.

Oportuno é dizer que o devido prosseguimento dessa produção depende de mecanismos que promovam segurança e sobrevivência física e cultural dos Povos Tradicionais, pois ultrapassam a esfera econômica e penetram no domínio das representações simbólicas e de respeito à sua identidade cultural. (SANTILLI, 2004, p. 345).

Fonte bibliográfica:

DE AVELAR TEIXEIRA, A. C. E., & COSTA, B. S. (2018). SOCIEDADES TRADICIONAIS, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE: REFLEXÕES PARA A SUSTENTABILIDADE COMO VALOR CONSTITUCIONAL. Revista Direito Ambiental e Sociedade, 7(2), 145-167.

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