PARTE II - Desfiando o novelo: desvendando os Códigos Florestais

Na tentativa de ordenar os diversos interesses envolvidos na utilização das terras, o Estado brasileiro vem regulamentando o uso e ocupação do solo por meio de promulgação de leis, decretos e resoluções, desde a década de 1930.

No ano de 1934, vivia-se uma forte expansão cafeeira no país e, partir disso surgiu o 1º Código Florestal. Principalmente no Sudeste, empurradas e suprimidas pelas frentes de plantações, as florestas ficavam cada vez mais distantes das principais cidades, dificultando e encarecendo o transporte de lenha. Desta forma, a legislação visava, sobretudo, impedir os efeitos sociais e políticos negativos causados pelo aumento do preço, ou pior, pela falta da lenha, garantindo, dessa forma, a popularidade do novo regime, instaurado com a Revolução de 1930.

Com esse pano de fundo, esse primeiro Código Florestal apresentou avanços na preservação ambiental, ao criar a figura das florestas protetoras para garantir a qualidade ambiental de rios e lagos e a estabilidade de áreas de risco (encostas íngremes e dunas, por exemplo). Mais tarde, esse conceito deu origem às áreas de preservação permanente (APPs).

Décadas depois, com o advento dos novos combustíveis e fontes de energia no território brasileiro, como as hidrelétricas, a lenha foi deixando paulatina e progressivamente de ter importância econômica. De maneira inversa, crescia a consciência do papel do meio ambiente e das florestas. Assim, em 1960, o Legislativo se mobilizou para alterar a lei de 1934.

Assim, em 15 de setembro de 1965, Castelo Branco sancionava a Lei Federal nº 4.771, o “novo Código Florestal”, que estabelecia a figura da Reserva Legal (50% na Amazônia e 20% no restante do país - art. 16) e definia a localização das Áreas de Preservação Permanente – APPs (art. 2 e 3). Além disso, essa lei também definiu as áreas de preservação permanente (APPs) que deveriam ser obrigatoriamente mantidas, no campo ou nas cidades.

Apesar de ser uma lei importante para a sociedade, houve uma imensa pressão para alterá-la e mesmo para revoga-la, por exemplo, de parte do setor agropecuário brasileiro, interessado na expansão de suas atividades que, comumente, encontrava nas florestas e no seu código de proteção verdadeiros obstáculos.

O anseio por um novo código florestal foi alimentado por décadas até o ano de 2012. Até o momento da sua promulgação, cerca de 36 projetos de lei tentaram derrubar o Código Florestal vigente, advindos, sobretudo, do setor relacionado ao agronegócio brasileiro. Apesar disso, em maio de 2012 foi sancionada a Lei federal nº 12.651/2012 que “dispõe sobre a proteção da vegetação nativa”. Em seu Art. 1o -A,  esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, APPs e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos.

Apesar de alguns retrocessos do ponto de vista da proteção ambiental, por exemplo, ao não considerar o caráter ecossistêmico das feições geomorfológicas da paisagem, fomentando a proteção setorizada ao não incluir feições importantes como APPs, o que implica em lacunas de proteção em ecossistemas de maior escala de amplitude, e a não consideração das APPs dos rios a partir do seu leito maior, o atual Código Florestal teve mérito ao consolidar a figura legal das APPs.

Já presentes no Codigo Florestal de 1965, as APPs são definidas em margens de cursos d’água, lagos, lagoas e reservatórios artificiais, topos de morros e encostas com declividade elevada, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, e de proteger o solo e assegurar o bem estar da população humana. São consideradas áreas mais sensíveis e sofrem riscos de erosão do solo, enchentes e deslizamentos.

Assim, é fundamental entender o que são, a importância e, para aqueles que trabalham com estudos ambientais com fins de licenciamento ambiental, sobretudo, buscar identificar as APPs. Para todos os casos, no contexto da Lei nº 12.651/2012 é obrigatório conhecer o art. 4º e seus diversos parágrafos.

O primeiro parágrafo delimita as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima que deriva de 30 até 500 metros, em função da largura do leito dos cursos d’água correlatos. Já o 2º parágrafo se atém para as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, que têm sua faixa de proteção variando em função da localização em zonas rurais ou urbanas, o que é legalmente definido nos planos diretores dos municípios, documento imprescindível nesses casos para que se tenha segurança legal.

Por sua vez, o parágrafo III traz um retrocesso, ao passo que diz que as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, terão faixas de proteção definidas na licença ambiental do empreendimento, ao passo que anteriormente (1965) essa faixa já era definida, não deixando essa definição para as mãos de um processo sujeito à inúmeras pressões e embates, onde o interesse ambiental nem sempre prevalece, face a interesses econômicos/particulares diversos.

Ainda no art. 4º do Código Florestal vigente no Brasil, o parágrafo IV trata das áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, em qualquer que seja sua situação topográfica, com raio mínimo de 50 metros; e o parágrafo V aborda as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, que é equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive e, por fim, o parágrafo VI, as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.

Importante, como já pode ser percebido, o art. 4º é extenso e ainda traz a delimitação sobre os manguezais (parágrafo VII), sobre as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais (parágrafo VIII); traz no parágrafo IX a delimitação dos topos de morros, montes, montanhas e serras; as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação (parágrafo X); e as veredas (parágrafo XI). É um artigo fundamental e precisa ser compreendido.

Principal herança dos Códigos Florestais, sob o ponto de vista da proteção quase irrestrita das feições naturais e fatores correlatos (vegetação, clima, solos), as APPs apresentam-se como um ente legal de caráter eminentemente prático, aplicável. Mas, como acontece em inúmeros casos dentro da legislação ambiental, a sua aplicabilidade é precedida pela teoria e, estas questões teóricas, herdadas do conceito de desenvolvimento sustentável, conforme visto anteriormente, não “caíram de paraquedas” no nosso labirinto, elas têm endereço em um diploma legal que é fundamental para se entender a legislação ambiental brasileira. Será o nosso próximo passo.

FONTE: de Moura-Fé, M. M., de Aguiar Pinheiro, M., & da Costa, A. T. (2017). O NOVELO DE TESEU DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL (OU: O MANUAL BÁSICO DE SOBREVIVÊNCIA PARA INICIANTES NO LABIRINTO DE DÉDALO). Revista da ANPEGE, 13(22), 198-222.

REDES SOCIAIS

Contato


Juiz de Fora -MG 
Whatsapp:(32)9 9123-1555 e (32)99129-0175
[email protected]